A banca FGV realmente acredita que existe o substantivo PERCA?
Uma prova da banca FGV (SEFAZ-MG 2023) admitiu que existe o substantivo “perca”.
Mas vamos entender isso?
A questão foi a seguinte:
(FGV / SEFAZ MG Auditor Fiscal 2023)
As frases a seguir mostram orações reduzidas, que foram (I) nominalizadas ou (II) modificadas para orações desenvolvidas.
Assinale a opção em que isso não foi feito de forma adequada.
(A) Não se pode descobrir novas terras sem aceitar perder de vista a costa por um longo tempo. / (I) sem a aceitação; (II) sem que se aceite.
(B) Não se pode descobrir novas terras sem aceitar perder de vista a costa por um longo tempo. / (I) sem a perca; (II) sem que se perca.
(C) A viagem da descoberta consiste não em achar novas paisagens, mas em ver com novos olhos. / (I) no achado de; (II) em que se ache.
(D) A viagem da descoberta consiste não em achar novas paisagens, mas em ver com novos olhos. / (I) na visão; (II) em que se veja.
(E) Errar é humano, mas é preciso um computador para realmente pisar no tomate. / (I) uma pisada real; (II) que realmente se pise.
Para entendermos o contexto, é importante comentarmos a questão toda, ok?
A questão pede a transformação do verbo sublinhado e em negrito por uma forma nominal (substantivo) e por uma oração desenvolvida, isto é, uma oração com conjunção e verbo conjugado em modo e tempo verbal.
Esta é uma questão polêmica, porque a banca deu como única alternativa inadequada a (C).
Nesta alternativa, é certo que o verbo “achar” pode tornar-se o substantivo “achado”. Assim, a expressão “em achar novas paisagens” pode ser nominalizada assim: no achado de novas paisagens.
Porém, na transformação numa oração desenvolvida, o verbo transitivo direto “ache” recebeu o pronome “se”, o qual, neste contexto, passa a pronome apassivador, e o termo seguinte plural “novas paisagens” é o sujeito paciente, com o qual o verbo deve concordar: em que se achem novas paisagens.
Assim, realmente a alternativa (C) está inadequada.
Porém, esta não é a única alternativa inadequada.
A alternativa (A) também está errada, pois a tranformação do verbo transitivo “aceitar” em substantivo abstrato torna tal substantivo também transitivo, isto é, ele exige o emprego da preposição “de”: aceitação de.
Assim, a forma correta nesta alternativa deveria ser:
Não se pode descobrir novas terras sem aceitar perder de vista a costa por um longo tempo. / (I) sem a aceitação de; (II) sem que se aceite.
Mesmo a banca admitindo a alternativa (B) como correta, ela também está errada, pois não existe, na linguagem culta, formal, o substantivo “perca” como derivado do verbo “perder”.
Veja que o verbo “perder” está sublinhado e a banca FGV admitiu a troca “sem perder” por “sem a perca”:
Não se pode descobrir novas terras sem aceitar perder de vista a costa por um longo tempo. / (I) sem a perca; (II) sem que se perca.
Bom, logicamente, os candidatos entraram com recursos orientados por diversos professores, inclusive eu.
O argumento utilizado foi simplesmente que o substantivo “perca” não é derivado do verbo “perder”. Assim, o ideal seria “perda”.
A banca respondeu a um de nossos alunos da seguinte forma:
“O gabarito oficial foi mantido, pois há um erro de concordância na opção do gabarito; a forma “perca” está registrada como substantivo feminino no Vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, na página 628; a forma “perda” é outra forma possível para o mesmo substantivo.” (resposta da banca FGV em recurso)
A banca assim entende que a alternativa (C) realmente estava errada, devido àquele problema na concordância. Assim, o correto seria em que se achem novas paisagens.
Em seguida, a banca informa que “a forma ‘perca’ está registrada como substantivo feminino no Vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, na página 628“.
Realmente está registrado. Veja:
Na imagem à esquerda, você vê o que está previsto no VOLP (Vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa). Por ser um vocabulário, ele apresenta apenas a palavra e sua classificação: PERCA Substantivo feminino (SF).
Porém, na imagem ao centro (Dicionário Aurélio), notamos o primeiro sentido desse substantivo, o qual tem relação com a ZOOLOGIA. Assim, não tem qualquer relação com o verbo “perder”, como se pede na questão.
Na imagem à direita (também do Dicionário Aurélio), o substantivo “perca” é realmente derivado do verbo “perder”, mas tal dicionário informa que esse vocábulo é um registro da linguagem popular, coloquial. Mas a questão faz referência à adequação à norma culta.
Portanto, isso tudo nos comprova que a banca simplesmente rebateu o recurso sem fundamento na justificativa, pois comprovamos que a forma “perda” é a única adequada à norma culta como derivada do verbo “perder”.
Analisando com calma, você percebe tranquilamente que as alternativas (D) e (E) estão corretas.
Bom, então o que eu percebo disso como professor?
A resposta da banca ao recurso do candidato foi infundada, pois realmente não existe registro culto do substantivo “perca” e confirmamos isso com o substantivo “PERCA” no campo da zoologia (sem ter qualquer relação com o verbo “perder”) e no registro popular, coloquial, o que desvia do pedido da questão, pois se falou sobre a linguagem adequada. E todos nós sabemos que a adequação pedida em prova deve se dar à norma culta, a não ser que a questão mencionasse o registro popular.
É aquela velha máxima que eu sempre digo aos meus alunos: “banca também erra”.
E você aluno, o que deve pensar?
Ignore esta questão mal feita e siga em frente.
É bom também se lembrar que “banca também erra”.
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Grande abraço!
Professor Décio Terror